terça-feira, 17 de março de 2009

Bento XVI em Africa

Bento XVI partiu esta Terça-feira de Roma para a sua primeira visita ao continente africano enquanto Papa, que o leva primeiro aos Camarões e, de seguida, a Angola. Apesar de limitada às capitais destes dois países, a viagem apostólica quer levar uma mensagem de paz a todo o continente.

O Papa partiu com um ligeiro atraso, cerca das 10h20 locais (menos uma hora em Lisboa). No tradicional telegrama que o Papa envia ao Presidente da Itália, ao partir em viagem, Bento XVI fala do "vivo desejo de encontrar os irmãos na fé e os habitantes" de Angola e Camarões.

Quarta-feira, Bento XVI celebrará uma missa privada na Capela da Nunciatura Apostólica de Yaoundé. Em seguida encontrar-se-á com o Presidente da República dos Camarões, Paul Biya, no Palácio da Unidade, e terá ainda um encontro com os Bispos do país. Mais tarde, presidirá na Basílica Maria Rainha dos Apóstolos à oração das I Vésperas da solenidade de São José, com a participação de bispos, sacerdotes, religiosos, seminaristas, diáconos, movimentos eclesiais e de representantes de outras confissões cristãs.

O primeiro Papa dos tempos modernos a viajar até África foi Paulo VI, que visitou o Uganda de 31 de Julho a 2 de Agosto de 1969. Após esta histórica visita, coube a João Paulo II percorrer praticamente todo o território africano, em 16 viagens apostólicas entre 1980 e 2000.

O falecido Papa polaco passou por 42 países e pelo departamento francês da Reunião, tendo mesmo repetido a visita no caso de 7 países. Começou pelo Zaire, Congo-Brazzaville, Quénia, Gana, Alto Volta (actual Burkina Fasso) e a Costa do Marfim, ao longo de dez dias, em 1980.

A última passagem de um Papa por território africano aconteceu no ano 2000, aquando da peregrinação jubilar de João Paulo II ao Monte Sinai, no Egipto.

Nove anos depois, acontece a terceira visita papal, para o território camaronês (1985 e 1995, João Paulo II), e a segunda para o país lusófono.

Esta viagem culmina, de forma mais visível, a constante preocupação de Bento XVI com a Igreja e a sociedade africanas.

No Domingo, o Papa lançou a sua viagem a Angola e Camarões, que irá decorrer até 23 de Março, afirmando que com esta visita tenciona “abraçar todo o continente africano”.

Em particular, disse, “penso nas vítimas da fome, das doenças, das injustiças, dos conflitos fratricidas e de qualquer forma de violência que infelizmente continua a atingir adultos e crianças, sem poupar missionários, sacerdotes, religiosos, religiosas e voluntários”.

Atenção constante

Na intenção de oração missionária para o mês de Fevereiro, o Papa rezava para que a Igreja na África encontrasse caminhos e meios adequados para promover – de modo eficaz – a reconciliação, a justiça e a paz, segundo as indicações da II Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos.

Este evento, que decorrerá de 4 a 25 de Outubro próximo, terá como tema “A Igreja na África a serviço da reconciliação, da justiça e da paz”, justifica a ida de Bento XVI aos Camarões, onde irá publicar o instrumento de trabalho deste Sínodo.

São várias as ocasiões em que, desde o início do pontificado, o Papa deixou apelos e dedicou reflexões ao continente africano. Num encontro com o clero de Roma, no dia 13 de Maio de 2005 - menos de um mês depois da sua eleição – Bento XVI falou sobre a extraordinária riqueza humana e espiritual da África, sem deixar de ressaltar as responsabilidades da Europa.

“A África é um continente de grandes possibilidades, de grande generosidade por parte do povo, com uma fé viva impressionante. Mas devemos confessar que a Europa exportou não somente a fé em Cristo, mas também todos os vícios do Velho Continente. Exportou o sentido da corrupção, exportou a violência que agora está devastando a África. E devemos reconhecer a nossa responsabilidade em fazer de modo que a exportação da fé, que responde à íntima expectativa de todo homem, seja mais forte do que a exportação dos vícios da Europa”, disse então.

Ainda nos primeiros meses de pontificado, no Angelus de 3 de Julho de 2005, Bento XVI aproveitou a ocasião do então iminente G-8 da Escócia para exortar a comunidade internacional a não esquecer as populações africanas, atingidas pela pobreza e por conflitos: “De coração, desejo sucesso a essa importante reunião, fazendo votos de que ela leve a partilhar solidariamente os custos da redução da dívida externa, a adoptar medidas concretas para a erradicação da pobreza, e a promover um autêntico desenvolvimento da África.”

No seu livro “Jesus de Nazaré”, Joseph Ratzinger fala das parábolas do Evangelho, em especial a do Bom Samaritano, que é apresentado como um “ícone da compaixão”, através do qual Cristo ensina que “não se trata já de estabelecer quem, entre os outros, é o meu próximo, mas trata-se de mim: eu devo tornar-me o próximo”.

A actualidade da parábola é, segundo o Papa, “óbvia”: os povos da África, caídos por terra, “olham-nos de perto”. “Nós levamos-lhes o cinismo de um mundo sem Deus, onde apenas contam o poder e o lucro”, lamenta.

Estes foram apelos e observações renovados em várias outras ocasiões, em particular, nos discursos ao Corpo diplomático, nas audiências aos prelados africanos em visita “ad Limina”, e nas mensagens para o Dia Mundial da Paz.

No encontro de 2009 com os diplomatas credenciados junto da Santa Sé, Bento XVI falava já na “alegria de me encontrar com muitos irmãos e irmãs de fé e humanidade que vivem na África”.

“Na expectativa desta visita, que tanto desejei, peço ao Senhor que seus corações se abram para acolher o Evangelho e vivê-lo com coerência, construindo a paz e lutando contra a pobreza moral e material”, indicou.

Segundo Bento XVI, em África é importante “reservar uma atenção especial à infância: vinte anos depois da adopção da Convenção sobre os direitos das crianças, elas ainda são vulneráveis”. O Papa pediu aos responsáveis políticos que “tomem todas as medidas necessárias para resolver os conflitos actuais e colocar fim às injustiças que os provocaram”.

Entre as várias conferências episcopais que visitaram o Vaticano desde Abril de 2005 conta-se a dos Camarões, recebida em Março de 2006. Na ocasião, Bento XVI lembrou o aniversário da Exortação apostólica pós-sinodal “Ecclesia in África”, assinada em Yaoundé em Setembro de 1995, pelo Papa João Paulo II. “Este momento de graça, vivido na fé e na esperança, revelou uma real solidariedade pastoral orgânica em todo o continente africano, manifestada sobretudo pelos trabalhos fecundos e estimulantes da Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos”, disse.

O Papa falou na necessidade de “fazer penetrar o Evangelho em profundidade nas culturas e nas tradições do vosso povo, caracterizadas pela riqueza dos seus valores humanos, espirituais e morais, sem deixar de purificar essas culturas, através de uma necessária conversão de tudo o que, nelas, se opõe à plenitude da verdade e da vida que se manifesta em Jesus Cristo”.

“Isto exige também que seja anunciada e vivida a Boa Nova iniciando sem receio um diálogo crítico com as culturas novas relacionadas com o emergir da globali-zação, para que a Igreja lhes transmita uma mensagem cada vez mais adequada e credível, permanecendo fiel ao mandamento que recebeu do seu Senhor”, acrescentou.

Sínodo

D. Damião Franklin será um dos secretários especiais do II Sínodo dos Bispos da África, a realizar em Outubro próximo. Para o Arcebispo de Luanda, esta reunião magna será um momento fundamental para uma “caminhada em conjunto” de todas as forças vivas da Igreja, a nível local e a nível universal.

“Há necessidade de se reflectir, de orar, de sugerir estratégias concretas”, refere à ECCLESIA.

O prelado admite que “África é o continente mais vulnerável” do ponto de vista institucional, com muitos conflitos militares, pelo que a Igreja “quer capacitar os próprios africanos” para resolver estes conflitos e os “problemas de desenvolvimento”, com destaque para o avanço das pandemias.

Quanto à Igreja, o Arcebispo admite que o crescimento de vocações religiosas e sacerdotais não deve fazer esquecer a vocação dos leigos. “Nós, como responsáveis, estamos atentos, porque esta é uma fase e temos de estar preparados para uma fase mais crítica”, admite.

Sobre a questão litúrgica, D. Damião Franklin indica que o “génio africano” deve ter o seu lugar, ainda que com “ordem e disciplina”.

Estatísticas

Em África, os católicos cresceram mais de 3% nos últimos anos, o que ultrapassa o crescimento da população total (2,5%). Estima-se que em 2050, três países africanos estejam entre as dez maiores nações católicas de todo o mundo: a República Democrática do Congo (97 milhões de católicos), o Uganda (56 milhões) e a Nigéria (47 milhões).

A “explosão” do catolicismo na África subsaariana, ao longo do século XX, pode ser considerada como um dos maiores sucessos missionários na história da Igreja - embora deva ser sempre lida com atenção, como se lê neste dossier -, já que de uma população de 1,9 milhões de católicos, em 1900, se passou para 139 milhões.

África é mesmo um dos continentes em que se regista maior crescimento no número de padres, com um aumento na ordem dos 25% no período de 2000 a 2007.

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