No próximo dia 25 de Janeiro, festa da conversão de São Paulo, completam-se 50 anos sobre o anúncio que na Basílica de S. Paulo Extramuros, o Beato João XXIII fez aos Cardeais, que era seu propósito convocar um concílio ecuménico. De facto, durante o Pontificado de Pio XII (1939-1958), chegavam de muitos sectores da Igreja fortes apelos de mudanças profundas na vida da própria Igreja; uma inversão no caminho da centralização romana, muito acentuada após o Concílio Ecuménico Vaticano I. Entretanto, e porque as teses conciliaristas estavam definitivamente superadas pela proclamação da infalibilidade pontifícia, propunha-se, sem receios, maior autonomia dos bispos, mais pluralismo no interior da Igreja, maior responsabilidade laical, uma teologia e uma liturgia mais participada e mais em contacto com as fontes litúrgicas e patrísticas. Em relação à sociedade, pedia-se o reconhecimento da autonomia das actividades humanas e a legítima liberdade de consciência, de culto e de propaganda para todas as confissões. Devia em suma, ultrapassar-se de vez as dificuldades de relação Igreja-Mundo que o Sillabus deixou manifestar.
O ambiente vivido pela II Guerra Mundial, as fortes transformações da sociedade, a grande transformação económica, pela passagem de uma economia predominantemente agrícola para uma economia fortemente industrializada, fizeram com que o Pontificado de Pio XII preferisse deixar amadurecer mais estes movimentos de renovação. Pio XII manteve-se fiel ao princípio de que na Igreja todas as decisões devem partir do vértice e não das bases. A eclesiologia de Pio XII via a Igreja como o Corpo Místico de Cristo, apesar de acentuar a dimensão vertical do seu ministério e isolar o Papa do resto da Igreja, o pastor do rebanho. Ao ser autor de muitas reformas, Pio XII nunca descentralizou o seu ministério.
João XXIII (1958-1963) emerge imprevisivelmente neste contexto. A sua decisão de convocar o Concílio Ecuménico Vaticano II fez dele uma personalidade profética. No seu conceito, a assembleia conciliar deveria desenvolver-se durante alguns meses. Jamais pensou que a assembleia conciliar faria a enorme obra renovadora que conhecemos. Podemos concluir que os tempos estavam maduros. As bases do Povo Cristão e os teólogos desde há muito desejavam a renovação da Igreja para que os católicos pudessem acompanhar, sem complexos, as grandes mutações de que o século XX foi abundante.
A 17 de Maio de 1959, João XXIII constituiu uma comissão antepreparatória do Concílio, presidida pelo Cardeal Tardini, que a 18 de Junho de 1959 escrevia uma carta a todos os Cardeais, Arcebispos, Bispos, Congregações romanas, Gerais de Ordens Religiosas, para pedir sugestões e temas para o Concílio, às quais responderam 77% dos interrogados, com 1.998 respostas, que foram catalogadas, impressas e sintetizadas em preposições formuladas em poucas palavras.
A 29 de Junho de 1959, João XXIII dá indicações sobre os fins do Concílio, através da encíclica Petri Cathedram. Ficou assim convocado o período preparatório do Concílio que decorreu de 1960 a 1962. O Concílio foi aberto solenemente a 11 de Outubro de 1962, com um discurso do papa.
A 3 de Junho de 1963 morria João XXIII, tendo-se encerrado a primeira etapa do Concilio a 8 de Dezembro de 1962, mas ainda sem a proclamação de nenhum documento.
Foi o seu sucessor, Paulo VI (1963-1978) quem concretizou e conduziu o Concílio convocado pelo corajoso Papa João XXIII. Paulo VI ficou com o enorme mérito de o ter concluído, conduzindo as grandes reformas, sobretudo a reforma litúrgica. A sua lúcida inteligência, a sua abertura e a sua moderação fizeram dele o Papa do Concílio Vaticano II. Paulo VI terminou o seu Pontificado num clima de incertezas face às aplicações do Concílio. Por um lado, as contestações do "Maio de 1968" exigiam ainda maiores aberturas por parte da Igreja, por outro lado, o movimento encabeçado pelo arcebispo Mons. Marcel Lefebvre (1905-1991) pedia que se regressasse aos moldes da Igreja anterior ao Concílio Vaticano II. O elevado número de presbíteros e até de alguns bispos que pediram dispensa dos ministérios ordenados para quase sempre contraírem Matrimónio fizeram com que a contestação ao celibato crescesse e este fosse apresentado pela opinião pública como ultrapassado, desadequado e vazio de sentido no mundo contemporâneo. No final da sua vida, Paulo VI viu a exaltação da chamada Teologia da Libertação que, sobretudo na América Latina, fazia a leitura das realidades temporais e actualizava a leitura do Evangelho, servindo-se da hermenêutica marxista, ainda fortemente acreditada como ideal de uma das potências intervenientes na então dita "Guerra Fria", disputada entre a União Soviética e os Estados Unidos da América.
Foi ainda neste contexto, que surgiu o breve Pontificado de João Paulo I, o qual deveria consumar o trabalho dos seus dois grandes antecessores, João XXIII e Paulo VI. O Pontificado de Albino Luciani (1978), para além de uma nova postura do Sumo Pontífice junto dos fiéis, marcada pela simplicidade, naturalidade e proximidade das suas catequeses, trouxe a intuição da junção dos nomes de João XXIII e de Paulo VI, no nome duplo de João Paulo, indicando a necessidade de que o novo Papa consumasse a missão dos dois Papas do Concílio Vaticano II. Esta missão coube de facto a João Paulo II, seu sucessor.
Karol Wojtyla recebeu o Concílio já quase totalmente aplicado na sua reforma litúrgica através do Missal aprovado por Paulo VI. Coube-lhe ainda aprovar o novo Código de Direito Canónico (1983), revisto segundo os critérios conciliares, conduzir a elaboração, aprovação e publicação do novo Catecismo da Igreja Católica (1992) e aprofundar, com a ajuda do seu rico magistério, várias matérias importantes da vida interna da Igreja, da sua pastoral e da sua vivência moral face aos desafios do mundo moderno e globalizado.
Concluímos, com a certeza que o Concílio Vaticano II surge como o grande Dom do Espírito Santo à Igreja do século XX e permanece como desafio para o nosso século XXI, para que as suas propostas de renovação se tornem espigas maduras na seara de Cristo, a sua Igreja que somos nós.
Pe. Senra Coelho, Professor de História da Igreja no ISTE
in Agencia Ecclesia
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