Em entrevista ao programa ECCLESIA, o poeta e tradutor destacou o contributo que as aproximações ecuménicas à Sagrada Escritura podem oferecer à unidade dos cristãos: “Vale a pena tornar a Bíblia fecunda e presente na criação contemporânea, percebendo como a sua leitura feita pelos grandes compositores é um elemento de aproximação dentro das igrejas cristãs”.
“Penso que cada Igreja tem um contributo a dar, uma leitura e sensibilidade próprias, que são transportadas para a criação musical”, observou o director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.
Com o projecto «Silêncio», o Departamento do Património Histórico e Artístico da diocese de Beja procurou estabelecer diálogos e reduzir distâncias no domínio ecuménico e na relação entre a Igreja e a arte contemporânea, recorrendo à Bíblia e à música, referências intemporais no contexto da espiritualidade e da arte.
Para o director daquele Organismo, José António Falcão, “a Bíblia é um livro que temos que redescobrir cada vez mais” e “a música é uma linguagem universal que rompe barreiras, que consegue ultrapassar as limitações e que vence a geografia”.
“Durante muito tempo existiu um fosso entre a Igreja e os criadores. A nossa preocupação é que os artistas contemporâneos nos ajudem a dar nova vida ao Alentejo, a criar uma esperança para este património, muito do qual está numa situação difícil”, explicou o arquitecto.
“Isto implica reencontrar algumas lições do passado, como é o caso do ecumenismo.
Na nossa região, judeus, cristãos e muçulmanos conseguiram viver em paz durante vários séculos. Essa é uma tradição que nos orgulha e que tentamos recuperar nesta iniciativa”, disse José António Falcão.
O disco, interpretado pelo Sete Lágrimas, foi composto por autores ligados a três tradições cristãs: Ivan Moody (ortodoxo), Andrew Smith (protestante) e João Madureira (católico).
Preservar e transmitir
José António Falcão recordou o espírito que esteve presente no início do Departamento do Património Histórico e Artístico, há 25 anos: “A nossa luta começou por ser contra o preconceito, procurando mostrar um Alentejo que tem um profundo interesse do ponto de vista patrimonial e que é orgulhoso das suas raízes”.
Diante desta realidade, a Igreja manteve-se fiel ao seu legado, mas quis “inovar e encontrar soluções para os problemas concretos que iam surgindo”, referiu o responsável diocesano.
A preservação de um património que se afirma não apenas pela beleza, mas também pelo que é invisível aos olhos - a fé que esteve presente na sua génese - e a necessidade de transmitir o seu conteúdo religioso e artístico são duas prioridades do Departamento, que procura dar a conhecer a arte sacra no seu sentido mais profundo.
“Os problemas dos nossos dias, a nossa espiritualidade, os nossos valores devem ser reflectidos na arte e devem sobreviver no futuro. Somos herdeiros de um passado que nos enriquece e de que nos orgulhamos muito, mas temos também a obrigação de deixar o testemunho dos nossos dias”, indicou José António Falcão.
“Neste momento há um problema de fundo, que é o abandono resultante da desertificação”, afirmou. “Há que inverter esta situação. Isso passa por criar percursos e rotas de turismo cultural e religioso de qualidade, por estabelecer uma rede de museus – que já começa a estar implantada – pela realização de exposições no país e estrangeiro, bem como outras medidas de dinamização e valorização do património”, descreveu o historiador de arte.
O trabalho do Departamento é assegurado por uma equipa de voluntários, composta por 12 técnicos e mais de 200 pessoas distribuídas pelo território, que colaboram nas paróquias e monumentos relevantes da região. “Creio que o segredo do nosso trabalho – confidenciou José António Falcão – é essencialmente a paixão com que se tem vivido o Alentejo”.
Um «Silêncio» criador
O disco nasceu do desafio que o Departamento do Património Histórico e Artístico dirigiu à empresa Arte das Musas e ao «consort» Sete Lágrimas, que têm colaborado com a diocese de Beja no Festival Terras Sem Sombra.
No livrinho que acompanha o CD, José António Falcão fala em “depositar vinho velho em odres novos”. Cada autor criou três composições a partir de um livro bíblico: Ivan Moody escolheu o «Génesis», Andrew Smith optou pelas «Lamentações» e João Madureira recolheu o relato da Paixão de Cristo a partir do Evangelho segundo São Lucas.
Além das nove obras inspiradas na Sagrada Escritura, o disco apresenta uma reinterpretação de cânticos originários das tradições populares religiosas dos compositores: um hino russo, um cântico inglês de Santa Maria e uma canção, igualmente mariana, procedente de Odemira.
O projecto prevê a publicação das partituras, juntamente com ensaios sobre arte contemporânea e património, bem como a continuação do ciclo de concertos.
E porquê «Silêncio»? Os co-directores artísticos do Sete Lágrimas, Filipe Faria e Sérgio Peixoto, assinalam que o CD implica uma meditação pessoal. José António Falcão lembra que a palavra reflecte uma “vivência alentejana” de criar pausas, “de que tanto precisamos no nosso quotidiano”.
in Agência Ecclesia
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